quarta-feira, 2 de maio de 2012

FICA O RESPEITO...

   Hoje resolvi mudar, resolvi deixar uma crônica à respeito de alguém que foi muito especial para mim.

      Na verdade fica aqui um grande pedaço de mim...               

   Todos nós temos aquele dia de "fuçar" de tentar colocar uma ordem nas coisas, nos armários, ou simplesmente tentar descobrir o que há dentro das caixas que vamos amontoando para todo lado, especialmente depois de uma mudança.

   Ao remexer velhos guardados, documentos, livros, um em especial, uma gramática antiga, uma foto caiu aos meus pés. Era uma foto do meu avô...    claro impossível não sentar no chão e lembrar de todos os bons momentos com ele. Uma pessoa sempre ativa, correto ao extremo, sempre educadíssimo com todos, de uma polidez de antigamente.

   Seus cabelos brancos, aquele tom de pele tipico dos descendentes de portugueses, ou seja "vermelho", e seu jeito calmo, tão calmo que nos enlouquecia.

   Comemorou tantas bodas com minha avó que já nem sabíamos mais que tipo de "bodas" eram... coisas de amor de antigamente, da época em que ele escrevia bilhetinhos para ela e deixava no beiral da janela, sempre indagando se aquela moça que ele sempre via ao passar, teria mais do que "dezessete primaveras".

   Morei muitos anos com eles, cuidei muito deles, e eles de mim, e ainda hoje acredito que nunca foi o suficiente, nunca o seria realmente, pois as lições de vida, os exemplos, e a vontade de ser uma pessoa boa que faça jus aos exemplos que teve, nunca será o bastante.

   Meu avô... deixou exemplos, deixou admiração, deixou lições. Ele começou a trabalhar na estrada de ferro aos onze anos, entrava as quatro da manhã, cuidava dos irmãos, cuidava de todos, de tudo, essa foi sua sina sempre.

   Meu avô nos deixou preparados para navegar em qualquer situação, nos apontava os pontos turbulentos no mapa da vida sempre que notava algum risco em nosso modo de navegar.Aprendemos os segredos do sextante, das estrelas, aprendemos a compreender os sinais, a "ler" o mar, o mar turbulento que é a vida.

   Quando ele adoeceu, já em virtude da idade, quase noventa anos, foi um choque, eu morando longe, cada vez que o via sentia um pedaço meu morrendo, definhava por dentro como ele por fora. O corpo não acompanhava o raciocínio, as vontades...   o corpo já deixava toda aquela luz que ele sempre foi, para trás... aos poucos.

   Em seus últimos momentos, ele já não estava mais acordado, estava na UTI de um hospital, e ali eu tive a comprovação de que as pessoas ouvem e sentem, mesmo ali inertes. E fica a culpa de não ter estado mais com ele antes dessa situação que faz parte da vida, sempre vou achar que faltou mais um abraço.

   Lembro que me aproximei e ao segurar sua mão que tantas vezes segurou a minha quando eu era pequeno, os batimentos se alteraram, ele de olhos fechados, respirando por aparelhos, a única coisa que eu pude dizer ao me aproximar   dele foi;


 -Vô... sou eu o Rogério, pode ficar tranquilo todo mundo está bem, eu prometo que vou ficar de olho em todo mundo como você sempre fez, como eu aprendi com você, eu vou sempre me esforçar para ser um exemplo como você, sou meio xarope mas não vou te decepcionar. Eu cuido deles vô.
  (uma conversa só nossa, alí ao pé do ouvido)

  E nesse momento escorreu uma lágrima pelo canto dos olhos dele, fechados. E os batimentos baixaram... como se ele se acalmasse.

  Num espaço curto de tempo, acho que cerca de vinte e quatro horas depois, ele faleceu.

  Eu sei que ele continua navegando, que os anos não lhe pesam mais, que algum dia, em algum porto, nos encontraremos de novo.

 Uma imagem, uma foto... e um turbilhão de lembranças de uma pessoa que sempre será muito especial para mim, lembranças de ser levado pela mão por aquele homem de cabelos brancos, que contava suas histórias de criança, e que apontava exemplos em tudo, e no final fica nítido que o maior exemplo sempre foi ele.

   Só posso pensar em uma coisa olhando esta foto... "Vô, você pode ir mas em nossos corações, fica o mais importante, em virtude de tudo o que você representou, fica o respeito."


    Lagrimas? São apenas um meio de tirar um pouco da água dos nossos porões, infiltrações do mar que é esta vida que nos cerca, por isso são salgadas. Fazem bem,  nos mantém navegando... e são inevitáveis.

      Fica o respeito...  obrigado Vô.